Desde pequenos
aprendemos a cuidar da água, que chegava em casa desde uma fonte lá no morro,
bem longe, talvez uns dois quilômetros. Estive lá na fonte poucas vezes, sempre
pra limpar o filtro do cano, tirar uma folha que entupira a entrada.
Espiávamos o morro pra ver se não aparecia algum boi
extraviado. Bebíamos na concha da mão aquela água quase gelada, que descia
o morro por canos enterrados e nos servia para tudo. Nunca nos fez mal
bebida assim. Em casa passava pelo filtro de cerâmica, aquele de velas, que eu
odiava lavar.
Havia tanques na casinha - que nunca foi chamada de
edícula, que horror de nome! Para ter uma ideia, a primeira porta da tal
casinha era uma grande gaiola, onde foram criados frangos, galinhas, até
coelhos.
Depois um sanitário. Aí vinha um banheiro bem grandão, com um chuveiro
de água fria e um chuveiro de fazenda, daqueles de encher com água aquecida no
fogão,de puxar a cordinha pra soltar água. Chuá!!!
Aí vinham os tanques de água.Um de água limpinha, tão limpinha onde lavávamos
às vezes as frutas e as cenouras colhidas na horta. A água escorria para outro
tanque, onde se enxaguava a roupa, e o terceiro acolhia a primeira lavagem,
sempre com sabão em pedra. Essa água escorria para as árvores, quando ficava
muito suja.
(Olha a
audácia de desenhar. Era mais ou menos assim.)
Eram caquizeiros, pés de vime, copos de leite, tudo
regadinho sem esforço. E lá mais embaixo, depois da taipa de pedras, os pés de
milho da vizinha ainda tiravam uma casquinha. Depois, a água já purificada do
sabão ecológico, ia pro rio, que nem sempre era tão limpo assim e onde
tomávamos banho, quando o verão explodia.
Essa relação com a água tinha um acento de fartura, de um nunca mais acabar.
Mas não abusávamos dela. O banho era curto, mesmo quando aquela lata suspensa
foi substituída por um chuveiro que aquecia, colocado num banheiro recém
construído, grudado na casa. Oh, luxo dos luxos!
Quando crianças, usávamos uma banheirinha de latão, de zinco talvez. A água
escoava num ralo, do chão da despensa para debaixo da casa,onde não havia nada,
só terra seca, quase inacessível. Então essa água com cheiro de sabonete, de
banho de sábado, iria perfumar teias de aranha e espantar algum rato
desprevenido. Nos dias de inverno com geada, essa era a opção.
Banho de sábado. Não tinha banho todos os dias, imagina! Justamente porque o
chuveiro ficava fora da casa, ou, quem sabe, se lavar os pés, o rosto e a bunda
fosse suficiente. Mas no sábado era uma esfrega geral. Sem esquecer atrás da
orelha, hein!
Esse ritual vinha antes das aulas de catecismo. Na volta delas a vida voltava
ao normal: trocar de roupa,subir em árvore, ler algum livrinho, brincar de
casinha ou boneca.(
Aí as pessoas se vão pela vida e só tem água com cheiro de cloro ou numa
garrafa. Beber da fonte, na concha da mão, nem pensar!
Um dia desses comentando sobre o assunto com uma de minhas irmãs ela
acrescentou: Lembra como era
nosso cabelo com aquela água?
E eu emendo: E a água
cristalina, que a gente tomava das valetas da estrada, quando ia caminhar com a
turminha e dizia que era pura se tivesse passado por sete pedras? De onde saía
isso? Por que ninguém ficava doente?
Suspiro...Suspiro...Suspiro...