Eles chegaram de manhã e foram ficando. A princípio, pensei que fossem pescadores buscando refúgio, obedecendo ordens do vento para entrar na enseada. Muitas vezes olho pela janela e sei que em breve vai ter ressaca ou mar alto, vento forte, chuva, ou temporal, mesmo com céu azul, pelo número de embarcações que buscam abrigo nas águas mais calmas, perto das ilhas, sempre do lado oposto ao que sopra o vento. Fico acompanhando de binóculos a chegada deles.
Esses tinham um formato diferente dos que eu conheço. Conheço baleeira, canoa, caiaque, bateira, iate, barco de rede de arrasto, de camarão, de pescar lula, navio, navio cargueiro. Também já vi por aqui os que armam as redes para pegar lanço de tainha, mas desses eu não sei o nome. Eles chamam simplesmente de barco. E eu também.
Posicionaram-se esses barcos, colocaram as redes, muitas redes, navegando de lá prá cá com os barquinhos vermelhos por toda a orla. Homens de uniforme azul. Não há como negar que a paisagem ficou interessante, bonita. À noite pareciam pinheirinhos adiantados de Natal. Era como se alguém tivesse colocado casas iluminadas dentro d'água. (Minha câmera é muito modestinha e nem me atrevi a fotografar à noite. Mas dá prá ter uma idéia do movimento diurno. Ela também não faz panorâmicas como a de meu filho. Ele teria gostado de fotografar.)
Fazia calor e o mar penteava a areia mansamente. Água limpa, mas fria. Eu saí de casa só prá fotografar, tentando alcançar a última luz da tarde e olhar aquele movimento diferente. Já era o terceiro dia que eles estavam por ali. Saíam às vezes, mas voltavam um depois do outro prá passar a noite. Não podia perder a chance. Eles poderiam sair na manhã seguinte e não voltar.
Na beiradinha d'água, um pescador, dos que eu encontro sempre quando saio para minha caminhada, arriscava uma tarrafeada, numa competição desigual. Os peixes eram cercados, arrastados e sugados por aqueles monstrinhos disfarçados de branco. Mas ele mantinha a esperança. Teimava em jogar a tarrafa, duas, cinco, dez vezes. E eu ali, sentada na areia dourada, esperando o desfecho. Torcendo por ele, contra os peixes e contra os barcos. Arriscando novas fotos. Esperando o final da história.

Foi assim: ele olhou para trás, para mim, depois para o mar, recolheu a tarrafa, baixou a cabeça e saiu andando devagar, bem devagar.
Eu voltei prá casa, imaginando a frase quase suspirada, na soleira da porta de casa, olhando a mesa posta:
"É! Hoje de novo só pirão de náilon!"
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* pirão de náilon: água fervendo jogada sobre farinha de mandioca, mexida até misturar bem e que resulta num pirão com aparência transparente, semelhante ao náilon das linhas de pesca, geralmente acompanhada de peixe, ovo, carne, ou lingüiça.
Fotografias: minhas (Florianópolis- SC)